Para além de determinado ponto, só passa quem for autorizado.
Responsável pela triagem, o segurança não transmite ares de agente autoritário,
aliás, está tão assustado quanto as pessoas que se aproximam para se inteirar
do ocorrido.
Atrás do segurança, a variedade de uniformes é indicativo de calamidade,
há socorristas, bombeiros, policiais, e é rápido perceber entre eles o elemento
destoante, um homem que, em cima da mureta da estação, atrai a soma de todas as
apreensões. Questionado por alguém, um jovem ao meu lado é peremptório ao
explicar a cena: o cara ali tá tentando se matar. De fato, lá para baixo a
queda será definitiva. Camisa preta, calças jeans, cabelos penteados para trás,
uma das mãos está enganchada na pilastra, é ela a chave entre vida e morte, enquanto
a outra segura um papel dobrado.
Nessas ocasiões, convencer alguém a optar pela vida é tarefa
delicada, muitas vezes porque a própria vida dificulta os termos da
argumentação. Mas o negociador, bombeiro de farda folgada e mãos cruzadas nas
costas, mantém a expressão plácida dos otimistas. É mais que método. Talvez,
pela experiência, ele já tenha previsto que o homem não vai pular. Eu mesmo, leigo
em percepções psicológicas, acho muito significativo que o homem se segure na
pilastra com tamanha firmeza.
Enfim, entre o infinito e o inconstante, o homem opta pela
boa e velha precariedade da vida, ele desce com cuidado, entregando-se ao amparo
de muitos braços. Estranho é perceber certa decepção em algumas pessoas que até
então permaneciam atentas ao desenrolar da situação, a elas, porém, não faltará
o tanto de tragédias que pululam a cada esquina, são fartas, são diversas.
O homem ainda segura o papel dobrado. É impossível saber
sobre o seu teor. Sabe-se, contudo, do seu uso. Serve agora de lenço para secar
o rosto inundado pelo choro compulsivo.
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