O colorido do elefante branco


A cancela sobe aos trancos e quando desce faz um rangido que denuncia a manutenção precária. Enquanto esse mecanismo funciona só ainda por causa de algum tipo de teimosia das correias, sensores e fusíveis, ao lado, uma voz feminina dá boas vindas e é só o que se consegue entender, porque a partir daí a gravação embola como se por efeito de um disco arranhado, timbre eletrônico engasgado, quem foi que disse que os robôs também não gaguejam?

Quando alguém se aproxima, a porta deslizante parece reagir com preguiça. Pra pegar no tranco, é quase preciso que se encoste nela, um retrocesso e tanto para o avanço tecnológico que resguarda a comodidade dos clientes, e olha que já houve tempo em que bastava a pessoa aparecer a uns metros de distância para então a porta se arreganhar prontamente numa eficiência típica de funcionária do mês. O corredor é amplo, tem dimensões de túnel. Ao avançar por ele, é fácil perceber que a iluminação está mais fraca. É porque mais da metade das lojas fechou. Antes mesmo de ser erguido, este shopping, enorme construção horizontal aos moldes dos métodos arquitetônicos de vanguarda, era alardeado como empreendimento gerador de empregos, um combustível para o impulso da economia, hoje, no entanto, não é muito mais do que um definhante monumento às novidades que envelhecem mal.

Uma música quase inaudível embala o almoço de poucas pessoas a quem os restaurantes fast food de sempre não deixam faltar o pão com gergelim de cada dia. O lugar aonde quero chegar fica além da praça de alimentação. Avanço para os fundos do shopping, onde então atravesso outra porta deslizante. A perder de vista, o estacionamento se espalha pela área de muitos metros quadrados. Por todos os lados há retângulos demarcados no chão. Apenas duas filas de carros destoam entre centenas de vagas desocupadas. Por vezes, esse espaço ocioso tem servido à estadia de algum circo, que vem, fica e, conforme é de sua natureza, vai. Ninguém precisa se preocupar com os buracos que são feitos no concreto para sustentar a lona. Enfim, já passou da hora de dizer por que estou parado neste estacionamento vazio. Tenho na verdade um compromisso, que é quase um encontro.

Espero por duas pessoas que vêm sempre aqui. Com o tempo, constatei que é certeza aparecerem no início das tardes de sábado. O que não me deixa mentir é o fato de que, pontuais, aí estão eles. A mulher pedala uma daquelas bicicletas cuja parte da frente é adaptada para o carregamento de cargas. Só que no lugar da carga é um homem que vai sendo conduzido. Ele é velho, suas pernas balançam na frente do pneu, são pernas muito finas a ponto de passarem a impressão de que não são suficientemente firmes para fazer o homem andar normalmente.

As pedaladas vigorosas fazem a bicicleta ganhar grande velocidade, o percurso segue em zigue e zague, em linha reta e depois contorna todo o perímetro do estacionamento. Não há destino para onde se queira ir. O passeio é o próprio fim em si mesmo. Em alguns momentos, dá pra ouvir a mulher perguntar repetidas vezes: Tá gostando? É uma pergunta retórica, considerando os braços do velho, estendidos como se querendo abraçar o vento. Tudo dura por volta de quinze minutos, se é que nesta altura existe importância em mensurar o tempo.

A cancela está emperrada, não se sabe se ela parou ao subir ou ao descer. Isso, porém, não afeta o trajeto da bicicleta. Ela se move desenvolta e sai do estacionamento pelo pequeno vão entre a cancela e a calçada. Misturada ao trânsito da cidade, a dupla desaparece no ritmo de pedaladas de despedida. Olho para o estacionamento, há silêncio por toda a sua amplitude. Também olho para a fachada do shopping. É ou não é um empreendimento de sucesso?



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