Alguém podia ajudar ela aqui?
A mulher
apontou para um corpo imóvel deitado no chão. Velha, agasalhada, olhos
fechados, barriga para cima sobre a qual as duas mãos entrelaçavam os dedos,
pose de defunta. Criou-se logo um pequeno tumulto.
Senhora,
senhora. A senhora tá bem?
Clamava uma
adolescente, enquanto ao lado a mulher que a acompanhava, provavelmente sua
mãe, digitava a tela do celular.
Pra chamar
ambulância é 192?
Quando todos
já se convenciam de que se tratava de um caso perdido, os olhos da velha se
abriram assustados. Ela usava toca e máscara. O rosto quase todo tampado
deixava o olhar confuso em evidência. Passou então a esfregar as mãos pelo
corpo, debatia-se como um bebê inábil em coordenar os movimentos dos braços e
das pernas.
O que a
senhora tá sentindo?
A velha se
levantou sem dar atenção às vozes que chamavam por ela. O que lhe interessava
era mirar o alto. Talvez já fosse íntima do céu sem estrelas. As pessoas ao
redor ficaram chateadas. Logicamente, a primeira impressão era a de que elas
estavam contrariadas pela perda de tempo. Mas tenho pra mim que o aborrecimento
delas se devia à frustração de não terem conseguido cada qual sua medalha de
benevolência. Ser bom e ser melhor têm muito mais a ver com o comparativo de
superioridade do que nos ensina a gramática.
Enquanto todos
se dispersavam, a velha mantinha um animado bate papo com o céu escuro, talvez
o único interlocutor que conseguia decifrar sua linguagem formada por grunhidos
e gargalhadas.
Tempos depois,
uma ambulância surgiu apressada, gritando e emitindo luzes que pareciam
refletidas a partir de um estroboscópio de discoteca. Deu três voltas no
entorno de onde não havia sinal de que alguém precisasse dela e, por fim, foi
embora. Devagar, silenciosa, apagada, triste.
Livros do autor: A vida é um sorvete derretido e Viva Ludovico