Frederico

 

Depois que tive a ideia de espetar bananas na parte de fora da minha janela, passei a receber visitas das mais diversas. Primeiro vieram sabiás. São desinibidos e glutões. Distribuem-se em muitas espécies. Só soube dessa variedade toda ao reconhecer na internet cada um dos visitantes que aparecem por aqui: sabiá-laranjeira, sabiá-preto, sabiá-poca, sabiá-barranco. Alguns deles dão até uma palinha de seu gorjeio. Vejam só, tenho agora de sobra o que faltava ao nosso valente Gonçalves Dias.

Com o tempo, chegou a turma dos saíras. O saíra-azul e o saíra-verde sempre aparecem juntos. Já o saíra-amarelo vem sozinho mesmo. Conhecido apreciador de frutas, o sanhaço azul aos poucos começou a marcar presença. Bem-te-vis e cambacicas também dão o ar da graça, embora com menos frequência. Todos são de uma beleza afável, mas em matéria de exuberância existe o campeão.

Sentado à mesa que fica de frente para a janela, levei um susto quando olhei pra fora. Ele estava enganchado na grade bem ao alcance da minha contemplação. Os olhos inteiramente negros equivaliam a duas pequenas bolas de gude. Transmitiam mistério e um pouco de assombro. O bico pontiagudo mostrava-se como ferramenta poderosa para a perfuração. As penas vermelhas da cabeça pareciam estar cuidadosamente penteadas para trás. Aliás, o vermelho dessas penas, que não era qualquer vermelho, mas sim um que gritava, que berrava, combinado à plumagem do corpo amarela-esverdeada com manchas geométricas pretas formavam um conjunto carnavalesco. Era um pássaro que veio desfilando pelos ares com sua fantasia luxuosa e se você ainda não ligou nome ao bicho, basta recorrer à mais famigerada gargalhada dos nossos desenhos animados.

De lá pra cá, o pica-pau carijó tem batido ponto na minha janela. Ficamos conhecidos um do outro, o que fez eu dar a ele um nome como  maneira ingênua de deixá-lo mais à vontade. “E aí, Frederico, como vai?” “Olá, Frederico, pode chegar.” “Já tá de volta, hein Frederico.” Por mais frequentes que sejam suas aparições e por mais que ele tolere minha presença do outro lado do vidro da janela, a aproximação continua ainda muito melindrosa. Ao chegar, estuda minuciosamente os arredores para enfim, depois de um demorado tempo, começar a bicar a banana. Arredio e desconfiado, traz consigo a perturbação de se saber notado por qualquer um e em qualquer canto. A beleza tem seus riscos.

Essa pequena ponte com a natureza me fez pensar como se dá a percepção imediata das coisas, baseada em conceitos e construções. Tenho tido a curiosidade de pesquisar os hábitos dos pica-paus carijó. Assim, pelo que percebo de suas atitudes e peculiaridades, é bem provável que Frederico seja uma fêmea.



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