Trenzinho da alegria


Ele passa mais ou menos no mesmo horário e é fácil adivinhar a sua aproximação, menos pelas sucessivas buzinadas, menos pela trilha sonora infantil e mais pela gritaria das mães e das professoras. Não é só um jeito de incendiar animação na garotada, também é maneira de aproveitar a ocasião para desenvolver a catarse atrelada à luta diária. A julgar pela força dos gritos, os dias têm sido mesmo muito difíceis.

Que as crianças não me ouçam, mas é só bater o olho e notar que se trata de um caminhão submetido à mais descuidada das adaptações, pois então é isso agora: simplesmente se acopla um nariz cilíndrico na frente do veículo e já se tem pronta uma locomotiva, tudo bem, vá lá, há compensação nas carrocerias, projeto caprichado, quatro ornamentados vagões que transportam a festa, carga pesada de muita empolgação.

Menos na última fileira do quarto vagão, onde uma mulher passa um dobrado para conseguir entusiasmar o menininho ao seu lado, só falta ajoelhar e implorar pelo mínimo sorriso que seja, mas ele se mantém irredutível, braços cruzados, expressão emburrada, dissonância entre as outras crianças que batem palmas, cantam, distraem-se com bolas coloridas, acenam para passantes e carros, o fato é que, à diferença dos carregamentos de coisas inanimadas, aos carregamentos de gente não é de se estranhar haver diversidade e exceções. O menino permanece alheio à algazarra que o cerca. Logo abaixo de onde ele esta sentado, lê-se na lataria do vagão “Trenzinho da Alegria”.

Tem-se ouvido muita coisa ao redor, a musiquinha do caminhão de gás, o alto-falante que anuncia as promoções do hipermercado, mas já faz tempo que não se percebe pelos ares a chegada dos gritos agudos, da trilha sonora infantil, da estridência sucessiva disparada pela buzina. No horário de sempre, ele nunca mais passou. Fazer o quê, se do trenzinho, que é da alegria, nunca haverá de se esperar que seja assíduo.